A pandemia da COVID-19 impactou severamente os catadores de resíduos no Brasil, já que eles não tinham a proteção necessária para fazer seu trabalho com segurança e assim manter sua subsistência. O projeto CataSaúde Viraliza da WIEGO, um curso de capacitação on-line, foi criado no Brasil em 2020 como uma resposta a estes desafios. O seu objetivo era conscientizar sobre os protocolos da COVID-19, o trabalho em condições dignas, estratégias de enfrentamento e organização. Outro objetivo importante foi criar conexões duradouras entre trabalhadores organizados e autônomos durante o tempo de isolamento, bem como entre os catadores de resíduos na região da América Latina.
Com a ajuda de vários parceiros, incluindo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) do Brasil, o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), o Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (ORIS), o Núcleo AlterNativas de Produção(UFMG) e Pimp my Carroça, concebemos e implementamos a ideia.
Uma equipe de 40 funcionários desses vários parceiros trabalhou de maneira remota para facilitar este curso para 456 participantes inscritos em março de 2021. Além disso, tivemos uma lista de transmissão de cerca de 150 catadores que não estavam formalmente inscritos no curso, mas tinham acesso ao conteúdo (eles não podiam participar dos grupos interativos de WhatsApp). Dos participantes inscritos, mais de 1 em cada 4 eram trabalhadores autônomos e mais de 60 % eram mulheres catadoras. No fim, tínhamos mais 200 seguidores no YouTube e quase 400 no Facebook, a maioria mulheres.
Convite para um evento on-line e ao vivo de vacinação
Foi uma experiência única para muitos trabalhadores que, pela primeira vez, trocaram experiências com catadores do outro lado do vasto país que é o Brasil, e até mesmo da América Latina. Isto foi possível devido à natureza única e digital do curso, que permitiu a presença de vários participantes.
Para a líder do MNCR, Madalena Duarte, “CataSaúde é um marco, um divisor de
O emprego de ferramentas populares de educação e comunicação, tais como o uso de linguagem acessível e uma variedade de formatos, incluindo vídeo, áudio e cartões, foram elementos-chave do curso. Por meio de um fluxo contínuo de comunicação, os participantes permaneceram envolvidos.
O curso foi realizado utilizando três plataformas on-line: WhatsApp para a sala de aula, onde ocorreram discussões sobre o conteúdo de cada módulo do curso e estabelecemos horários específicos para o intercâmbio dos participantes. O Facebook funcionou como uma biblioteca para todo o conteúdo do curso e para obter materiais complementares. Por meio do YouTube aberto e interativo e de sessões ao vivo do Facebook, o projeto permitiu a realização de discussões baseadas nas experiências dos trabalhadores e de conteúdo de qualidade sobre questões relevantes –inclusive com burocratas e especialistas técnicos– para um público mais amplo de catadores. As sessões ao vivo sempre começavam com um pequeno esquete educativo de palhaços (somente em português).
A ênfase foi dada à participação dos catadores, também na concepção do curso – eles ajudaram a escolher os temas para cobrir e fazer a curadoria das esquetes teatrais. Discutimos uma grande variedade de temas, incluindo a vida durante a pandemia no setor de coleta de lixo, a melhoria dos sistemas de coleta seletiva e a proteção dos catadores durante a COVID-19, bem como as vacinas, estratégias econômicas, e segurança social(tema - acrescentado a pedido dos catadores).
Os participantes tornaram-se os mais importantes disseminadores da informação e atuaram como agentes de mobilização para os protocolos da COVID-19. Além disso, relataram uma maior compreensão desses protocolos após o curso, segundo o informado na enquete final.
Organizamos duas sessões nas quais facilitamos a criação de conexões entre os catadores na América Latina. Estas trocas foram uma oportunidade para falar sobre o programa CataSaúde Viraliza e o apoio dado ao secretariado do movimento brasileiro de catadores como parte do financiamento. Também convidamos participantes de outros países, como Colômbia, Argentina e Chile, para compartilharem suas experiências na luta contra a COVID-19. Foi uma sessão muito importante para os participantes, especialmente para aqueles que nunca antes tiveram a oportunidade de interagir com trabalhadores de diferentes países.
Depoimentos de catadores que participaram do curso relatam a maior conexão entre catadores organizados e autônomos. Como afirmou um catador não organizado:
Sou muito feliz de ter participado dessa interação, conhecer esse povo todo, teve uma força enorme. Me sinto muito representado por vocês e a jornada de aprender foi gratificante, de trocar ideias, não só soube o que a gente sofre. Toda discussão sobre EPIs ajudou em todo momento disponível. É isso que faz o catador sentir-se valorizado, fazer o trabalho mais humanizado.
Os catadores também se beneficiaram do espaço seguro que o curso criou para eles trocarem experiências e ideias, em particular, levando em conta o isolamento que muitos estavam experimentando na época.
“Os conteúdos aplicados me trouxeram clareza sobre Covid-19. O curso chegou na hora certa e em um momento de muita pressão psicológica. A participação no grupo e nas Lives me serviram de terapia.” – Evaldo Cristiano Garcia, catador autônomo.
O curso também serviu para sensibilizar os catadores-líderes sobre os desafios pessoais que enfrentam em várias circunstâncias. Agora criamos um grupo de WhatsApp para discutir questões específicas. Portanto, há uma descentralização de informações, o que ajuda a abordar questões específicas dos trabalhadores em determinadas áreas.
Por meio do projeto, fornecemos suporte material imediato, como equipamentos de proteção individual, higienizadores de mãos, cestas de alimentos, para 15 ações locais de ajuda mútua em 10 cidades no Brasil. Em alguns lugares, os trabalhadores puderam iniciar um diálogo com os funcionários municipais e apresentar suas necessidades, em alguns casos, até mesmo sobre as vacinas.
Os participantes foram convidados a participar de grupos existentes de WhatsApp após o curso, incluindo um grupo criado pelo movimento nacional de catadores e outro misto, e muitos deles entraram.
Um dos fatores-chave do sucesso do programa CataSaúde foi o compromisso, a dedicação e a criatividade de toda a equipe: coordenadores, orientadores, facilitadores on-line e catadores que trabalharam na mobilização. Em tempos de grande incerteza, estresse e perda, tirar proveito de perspectivas interdisciplinares e construir uma rede de solidariedade em todo o país ajudou a CataSaúde a manter o impulso.
Além de aumentar o conhecimento dos protocolos da COVID-19 e dos protocolos de segurança no local de trabalho, uma das grandes conquistas deste curso em linha foi estabelecer relações de confiança entre trabalhadores e parceiros organizados e autônomos. Esperamos que estas sinergias sejam úteis em futuras ações coletivas.
O projeto foi financiado pela Open Society Foundation e pela WIEGO.