Estudo brasileiro mostra por que os catadores e as catadoras são essenciais para o planejamento da adaptação climática.
Mais de 90% dos catadores entrevistados e das catadoras entrevistadas em todo o Brasil sofreram eventos climáticos extremos relacionados às mudanças climáticas no último ano, com grande parte relatando impactos negativos em sua saúde, renda e capacidade de trabalho, mostra esse novo estudo.
A pesquisa, intitulada Impactos das mudanças climáticas e estratégias de adaptação: Experiências de catadoras e catadores de materiais recicláveis do Brasil perguntaram aos catadores e às catadoras como os eventos climáticos severos os impactaram e as estratégias que essas pessoas usaram para lidar e se adaptar.
Constatou-se que 91% dos catadores e das catadoras que participaram do estudo vivenciaram, pelo menos, um evento relacionado às mudanças climáticas no último ano, com 85% enfrentando calor anormal ou ondas de calor, e 39% sofrendo com enchentes. Cerca de 100 trabalhadores e trabalhadoras de Manaus, Amazonas; Salvador, Bahia e Belo Horizonte, Minas Gerais foram entrevistados e entrevistadas para a pesquisa.
Sonia Dias, investigadora sênior, afirma que, com as mudanças climáticas acelerando mais rapidamente do que o previsto, e com a saúde e a renda dos catadores e das catadoras sendo desproporcionalmente afetada por condições meteorológicas extremas, é vital entender o seu impacto nessa força de trabalho e em outros trabalhadores e trabalhadoras em emprego informal.
“As cidades são grandes emissoras de carbono, sendo particularmente afetadas pelos perigos climáticos. Coisas como ondas de calor, inundações e secas têm impacto em serviços essenciais como abastecimento de água, saneamento, transporte e fornecimento de energia”, acrescenta.
“Os catadores e as catadoras que entrevistamos estão na linha de frente, enfrentando desidratação, insolação, fadiga e exposição a patógenos perigosos –portanto, o olhar dessas pessoas é absolutamente essencial para a criação de planos eficazes de adaptação às mudanças climáticas.”
Dias diz que os catadores autônomos e as catadoras autônomas (que trabalham por conta própria) relatam impactos mais graves do que aqueles e aquelas que fazem parte de cooperativas e associações.
“A pesquisa mostra uma série de estratégias de enfrentamento e adaptação. Os catadores e as catadoras individuais tentaram continuar trabalhando durante o evento de mudança climática, com impacto limitado nos serviços deficientes da cidade e na deterioração das infra-estruturas. As respostas coletivas foram mais preventivas, com os trabalhadores e as trabalhadoras coordenando os processos de armazenamento de resíduos e materiais”, disse Dias.
Dias diz que construir a resiliência dos catadores e das catadoras às mudanças climáticas aumenta a resiliência de toda a cidade, por isso os municípios devem colocar essas pessoas no centro das políticas públicas futuras.
“Os governos locais precisam investir urgentemente em infraestruturas de ambiente de trabalho que sejam sensíveis ao clima para enfrentar as ondas de calor e as enchentes”, ela afirma.
“Aspectos como o monitoramento de condições meteorológicas extremas, sistemas de alerta antecipado e qualificação em procedimentos de resposta a emergências são essenciais para que os trabalhadores e as trabalhadores em emprego informal se adaptem ao trabalho em situações relacionadas ao clima.”
Dias afirma ainda que os governos locais já têm um forte imperativo legal para apoiar os catadores e as catadoras: a Política Nacional de Gestão de Resíduos Sólidos, que garante o papel dessas pessoas nos sistemas de gestão de resíduos. No futuro, as autoridades municipais podem refletir este reconhecimento no desenvolvimento de políticas e planos de adaptação às alterações climáticas que priorizem as perspectivas e necessidades dos catadores e das catadoras.
Para mais informações ou entrevistas, entre em contato com:
Nicole Pryor em nicole.pryor@wiego.org, Graciela Mora em graciela.mora@wiego.org ou Kendra Hughes em kendra.hughes@wiego.org (EST).
Notas do editor
Sobre a WIEGO
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Citações de trabalhadores e trabalhadoras
Jeanne Santos, MNCR, cidade de Salvador
“A onda de calor que, assim, é insuportável, às vezes. Por estar dentro de um galpão, onde o telhado já é de zinco [...] Às vezes o galpão não tem uma ventilação adequada, também, para amenizar isso, e aí a gente perde a produção [...] Afeta a renda porque a gente vive de produção. Meia hora que a gente deixa de produzir, afeta a nossa renda e aí quando bate essa onda de calor muito forte, não tem jeito, né? O ser humano tem um limite.” Jeanne em entrevista em março de 2023
Catador (não organizado) - Carlos Antônio dos Reis (Carlão) Pimp my Carroça, São Paulo
“Uma mudança que é agora recente, que está acontecendo muito, é essa onda de chuva tão forte que é fora do normal aqui em São Paulo [...] o catador sai de manhã, ele trabalha uma semana. Chegando no final de semana, que é quando ele vai comercializar, vem a chuva, alagou tudo, ele perdeu tudo. [...] por a gente ser autônomo, a gente é mais focado no trabalho, a gente tá muito desligado dessa questão do que tá acontecendo no dia a dia. [...] Muitos catadores não sabem a importância. O que isso causa, como lidar? Não só para a sociedade, mas como impactará o nosso trabalho no dia a dia.” Carlão em entrevista em março de 2023
Catadora Neli Medeiros - MNCR, Belo Horizonte e Fórum Municipal Lixo e Cidadania de Belo Horizonte (FMLC BH)
“Sabemos que os impactos das mudanças climáticas está piorando a cada dia e que na Terra tudo está conectado. E, devido ao trabalho que fazemos, somos doutores do meio ambiente, mas precisamos torná-lo mais saudável e, para isso, precisamos trabalhar juntos.”
Veja também: Climate-Change Impacts and Adaptation Strategies: Waste Pickers’ Experiences from Brazil